Hoje a entrevista será um pouco diferente, a pessoa entrevistada será o Renato, do blog “Eu e o Hiv: Vivendo um Dia Após o Outro”, que relata experiências dele como HIV positivo há dezessete anos, bem como demais informações relacionadas à doença. Vocês devem ter percebido que dessa vez o entrevistado não é uma pessoa anônima, porque ele aceitou que assim fosse! Se não tivesse aceitado seria igualmente anônima porque é sempre o entrevistado que manda (risos).
PAM: Se apresente para nós Renato, nos diga um pouco sobre você: idade, estado civil, orientação sexual e tudo mais que for relevante nos contar!
Meu nome é Renato Franceschetti Filho, tenho 37 anos, recém “casado” (risos) com um rapaz que NÃO TEM HIV. Sou soro-positivo desde 1995, há 17 anos. Quando resolvi criar o blog em 2006, eu achei melhor na época usar um nickname, então passei a usar na internet o nome de TANER WATERFALL, por causa do medo do preconceito, porém hoje não me importo com isso devido a causa que agarrei com unhas e dentes: a de tentar acabar, ou ao menos, minimizar o preconceito que todos temos em relação ao vírus.
PAM: Como você descobriu ser portador do vírus HIV? Você saberia dizer como foi e com quem foi a relação que você a contraiu?
Quando fiz 18 anos acabei contando a meus pais sobre minha sexualidade o que fez com que eles me expulsassem de casa e por insistência de minha família (que imaginavam que todo gay tem HIV) eu acabei fazendo o exame, porém, fui consciente de que eu já estava contaminado, devido ao modo como me portava na época (por ser o início de minha vida sexual eu achava que quem tivesse HIV não sairia por aí transando com todo mundo) e desde o começo nunca usei preservativo e por esse motivo acabei me infectando através dessas relações esporádicas. Agora, saber quem foi, é o mesmo que perguntar a uma prostituta quem é o pai da criança (risos)…
PAM: Como foi o primeiro sentimento ao descobrir ser portador do vírus?
Quando descobrí, minha primeira e única preocupação era em relação ao meu namorado na época. E a sensação era de estar num palco com a cortina cerrada, onde não conseguia ver nada à frente. Não conseguia planejar meu futuro, tendo a sensação de que poderia morrer a qualquer hora, coisa que pode acontecer a qualquer pessoa…
PAM: Você demorou a contar para alguém? Porque eu acho que se um dia eu descobrisse ter a doença, iria sair correndo para contar para a minha melhor amiga, e talvez até a minha mãe. Mesmo morrendo de medo que elas pudessem vir a contar para outras pessoas, a necessidade de contar para alguém seria maior (risos) – seria algo como “dividir o peso que estaria dentro de mim”.
Bem, a primeira pessoa a saber foi minha tia que na época me levou ao médico a pedido de meu pai, no blog falo sobre esse ocorrido. Ela chorou muito, até parecia que era o resultado de exame dela (risos). No mesmo dia eu contei ao meu namorado e para um amigo que dividia o apartamento comigo. Nunca tive problema em falar sobre isso. Para mim, ter HIV é como ter uma gripe, a única diferença é que o HIV não tem solução definitiva. Eu gosto de falar sobre HIV na tentativa de acabar com o preconceito…
PAM: Mas você acha então que as pessoas não deveriam se preocupar em contrair o HIV, já que ele seria “como uma gripe” ?
Engraçadinha, risos… Claro que as pessoas devem se preocupar em não contrair o vírus, pois, convenhamos, é um porre ter que ficar tomando 7 comprimidos todos os dias, certo? O que quis dizer na verdade é que o HIV se tornou uma doença crônica como a diabetes que deve ter seus cuidados diários. Eu sempre digo que prefiro viver dez vidas com HIV do que uma só com diabetes, pois, sou uma verdadeira formiga, adoro um doce!!!
PAM: Esses dias li um relato de um portador da doença dizendo que quando a descobriu saiu transando com todo mundo sem camisinha, se importando muito mais com a raiva dele em ter a doença, do que com o cuidado com pessoas que não tem nada a ver com isso. Também já li alguns portadores do vírus relatando que se o outro quiser, eles transam sem camisinha sim, porque “bobos são eles em confiar”. O que você acha disso?
Primeiro isso é um crime. Também já ouvi histórias assim… Certa vez ouvi uma pessoa dizendo: “transei mesmo com o cara sem camisinha, ele merecia!”. Um absurdo isso, quem somos nós para decidir o futuro de alguém? O mundo está mesmo muito egoísta.
PAM: É claro que agora que você tem um blog que mostra a sua pessoa, muita gente já deve saber da sua sorologia sem você nem precisar contar, mas quando alguém não sabe (não acessa blogs, etc), você é daqueles que já sai contando, ou daqueles que prefere transar eternamente de camisinha e nunca deixa fazer sexo oral só para não ter que contar essa parte (risos)?
Quando era solteiro, eu só contava para pessoas que eu tinha a possibilidade de ter um relacionamento, se fosse sexo esporádico não contava, mas nunca coloquei a vida de ninguém em risco.
PAM: E dessas pessoas, muitas fugiram depois que você contou? Eu lia os comentários de um portador que sempre dizia que ele contava e o povo fugia dele rsrs, mas ele fazia até graça disso, falando que não foi dessa vez rsrsrsrs. Mas de fato ele fez a parte dele, e muito bem feita né, que foi contar…
Eu tive sorte, pois não foram tantos assim. A maioria tentou ter um relacionamento comigo. Como já disse, fui casado 5 anos com uma pessoa que não tem HIV e esse ano me casei novamente com um soro-negativo para HIV. A reação é quase sempre a mesma: no primeiro instante a pessoa assusta e aos poucos vai se habituando à ideia.
PAM: Você acha que após a descoberta da doença ficou mais difícil para você se relacionar com as pessoas? Como é o processo para arrumar alguém para um relacionamento sério, por exemplo?
Creio que esteja difícil para qualquer um encontrar uma pessoa para se relacionar. No meu caso, mesmo sendo soro-positivo eu sempre namorei, nunca consegui ficar muito tempo sozinho, namoro até mesmo mais do que meus amigos que não tem HIV (risos). Mas é claro que se torna mais complicado, mas na maioria das vezes eu sempre tive a sorte de encontrar pessoas que me aceitassem como sou. No blog mesmo falo de alguns casos onde sofri preconceito, como numa noite em que passei com um cara na balada, beijando-o a noite toda, e no final ele diz: “amanhã você nem vai querer ver minha cara”, mas ele estava enganado, pois, eu estava super a fim de vê-lo novamente, então eu disse: “acho que é você quem não vai querer me ver, pois, sou soro-positivo”, ele espantou-se e começou a limpar a boca na minha frente, pediu desculpas e foi embora. Fiquei arrasado naquela noite. Mas hoje já estou vacinado e penso em mim em primeiro lugar.
PAM: Você poderia citar um aspecto positivo e outro negativo que o HIV acrescentou em sua vida? Seja como pessoa, com relação aos amigos, ou até mesmo em questão de função social.
Devemos sempre tentar tirar algo de positivo de uma situação ruim, não que o HIV seja de todo um mal, creio que o pior mesmo do HIV é ter que tomar remédios todos os dias, isso é um saco. O único aspecto positivo pra mim, foi poder enxergar a vida de forma diferente. Desde que descobri, procurei não deixar mais nada por fazer, por exemplo: se eu tenho vontade de falar algo para alguém, eu não espero “um momento certo”, eu falo a hora que tenho vontade, talvez por essa sensação que o HIV nos dá de que não haverá o amanhã…
PAM: Uma pergunta boba, mas que sempre tive curiosidade em saber. Ao frequentar algumas comunidades na internet sobre portadores de HIV (até mesmo para colher informações para essa matéria), percebi que muitos deles parecem meio estressados, as vezes chegando até mesmo a tratar mal e a ridicularizar pessoas que fazem perguntas na comunidade (para saber sobre possibilidades de ter contraído a doença, mais sobre o vírus, entre outras coisas). Eu particularmente fiquei um pouco surpresa, porque ao entrar na comunidade pensei que iria encontrar muitas pessoas – ainda que não todas – solidárias com as outras que por algum motivo estão com medo da doença, e acabou que percebi o contrário disso! É claro que nem todos são assim, alguns são gentis e pacientes, mas enfim, por que será que acontece essa falta de tolerância com os leigos por parte de muitos que já vivem a doença e já sabem muito sobre ela?
Eu acredito que isso não esteja ligado ao HIV e sim ao caráter da pessoa. Eu gosto muito de falar sobre o assunto e ajudar quem infelizmente entrou nessa. Essa sua pergunta foi para mim uma grande surpresa. A época que estamos vivendo é “A ERA DO EGOCENTRISMO”.
PAM: Você diria que é uma pessoa feliz? Muita gente associa o diagnóstico do HIV positivo com tristeza, angústia, depressão, e até mesmo “morte em vida”. Como você lida com os sentimentos?
Minhas tristezas não tem absolutamente nada com o HIV. Sempre digo que se o HIV fosse minha única preocupação na vida eu seria o cara mais feliz do mundo. Até agora o HIV não me trouxe nada de tão complicado que eu não conseguisse resolver com o auxílio do médico. Me considero sim uma pessoa feliz, profissionalmente frustrado (risos), mas feliz!!!
PAM: O que você acha da ideia comum que as pessoas têm – mesmo em uma época de tamanha informação como a de hoje – de que as pessoas que tem HIV são homossexuais, ou pobres, ou feias? Parece até piada falar assim, mas esse pensamento é bastante sério, já cansei de ouvir principalmente homens afirmando não correr riscos porque só transam “com belas garotas de família e não com uma “favelada da rua”, ou com uma “feiosa”“. O que você nos diz sobre isso?
Realmente isso existe ainda. É um tremendo engano pensar assim. Tenho muitos conhecidos que mesmo sabendo de minha condição, mesmo eu tentando abrir os olhos deles, ainda assim, não se protegem na hora da transa por não sentirem prazer com preservativo ou outros problemas pessoais. Usar preservativo para mim é uma questão de hábito. No começo pode até ser chato, mas com o tempo você se acostuma. Eu mesmo tinha o maior problema em manter a ereção com o preservativo, mas hoje não tenho problema com isso.
PAM: Qual é a importância que você dá ao diagnóstico do HIV positivo? Porque é comum a gente ver pessoas pensando que “se não tem cura, que diferença faz saber se tem ou não a doença?”.
O HIV não tem cura, mas tem tratamento, o que faz sua qualidade de vida melhorar. O quanto antes você souber de seu diagnóstico mais cedo você poderá fazer um tratamento adequado e assim viver normalmente.
PAM: Como é a sua relação com os retrovirais? Ou você ainda não teve que tomá-los? Dizem que alguns dão até dor de barriga e coisa pior, mas que se não tomar lutar contra essa doença se torna mais difícil ainda.
Em qualquer medicação que uma pessoa venha a tomar, podem ocorrer reações. E com os retrovirais não poderia ser diferente. Faço o uso da medicação há 15 anos. No começo foi muito ruim, desde formigamento no corpo inteiro até a uma sonolência muito forte a ponto de não aguentar ficar em pé, mas isso era por estar tomando a medicação de forma incorreta. Eu deveria tomar a medicação com o estômago cheio e só o café da manhã não era o suficiente, então, quando alterei o horário e passei a tomar no horário do almoço os efeitos descritos pararam. Agora, a diarreia é quase que constante e é causada pelo remédio KALETRA. Mas isso é facilmente amenizado tomando cuidados com a alimentação e ingerindo muita fibra.
PAM: Por fim, gostaria que você mandasse uma mensagem para aquelas pessoas que por algum motivo ainda estão com medo de fazer o exame, e para aquelas que já descobriram ter a doença.
Faça o exame o quanto antes, e tome as decisões necessárias quando pegar o resultado. Se for NEGATIVO: ótimo, parabéns, continue cuidando-se e usando preservativo, agora se fizer o exame e der POSITIVO: continue cuidando-se e usando preservativo e siga corretamente as orientações de seu médico. MAS SEJA LÁ QUAL FOR O RESULTADO, SEJA FELIZ, NÃO IMPORTA COMO!!! A VIDA É CURTA E CRIAR FANTASMAS SÓ ATRAPALHA NOSSA VIDA. ENCARE A VIDA DE PEITO ABERTO E CABEÇA ERGUIDA!!!
PAM: Então acho que a grande sacada é se prevenir o máximo possível, fazer nossa parte, e se acontecer de um dia ficarmos doentes, aí é encarar o problema e nunca deixar de ser feliz. Grande beijo e muito obrigada novamente! Obrigada por nos responder, e bem como você, espero acabar com o preconceito e minimizar a falta de informação. Temos que ter medo de pegar doenças, mas isso qualquer uma e não apenas a AIDS!
SÓ UM PARÊNTESES… EU NÃO ESTOU, NEM SOU DOENTE… APENAS SOU PORTADOR DO VÍRUS…
Tenho uma informação aos leitores que não querem ou não podem gastar dinheiro com os exames preventivos das DSTs: procurem um CTA (centro de testagem e aconselhamento) mais próximo de onde vocês moram e realizem os exames. Geralmente, esse centro faz não apenas o exame de HIV, como também hepatites e sífilis. Fora ser gratuito, o resultando sai em um curtíssimo período de tempo, acho que vale a pena conferir!! http://www.aids.gov.br/tipo_endereco/centro-de-testagem-e-aconselhamento
Não se esqueçam de conferir o blog do Renato, eu particularmente achei superinteressante e informativo!