Caso julgue necessário, leia o primeiro texto dessa série: Você saberia realmente identificar se está em um relacionamento abusivo?
Ao contrário do que pensam alguns, a violência doméstica não obedece níveis sociais, econômicos ou de gênero. Abaixo eu retratarei quais as principais causas que mantém uma mulher em um relacionamento abusivo.
PS: Apesar de constantemente usar o feminino, muitas coisas servirão para o sexo oposto também.
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Estrutura Familiar
Quando nos tornamos adultos, há a tendência de reproduzir o padrão familiar. A filha que vê a mãe sendo agredida busca, ainda que de forma inconsciente, constantemente repete essa estrutura que já é conhecida e procura um homem com o perfil agressivo. Quando a agredida está imersa num contexto familiar violento, ela não percebe sua condição.
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Criação Submissa
Eu sempre digo que a mãe tem o poder de castrar um(a) filho(a). Na infância, o papel materno, ou quem o represente, exerce grande influência e as crenças limitantes são passadas ao filhos, de forma constante e bem sutil. Muitas mamães e vovós, quando eram crianças, foram bombardeadas com frases castradoras, numa época em que as mulheres não poderiam se divorciar, pois era motivo de desonra. O que eu quero dizer é: a resignação continua sendo cobrada do papel feminino. E ainda nos dias de hoje, esse pensamento limitador ainda perpetua o imaginário de muitas mulheres abusadas que pensam que, se largarem o marido, poderão ser julgadas socialmente ou mal acolhidas no seio familiar, etc.
* Faço um adendo nesse ponto: Tenho observado que há algo que acontece em relação às mulheres, mas não com a mesma frequência quanto aos homens. Em geral, a família da mulher agredida tem ciência do ocorrido e muitas vezes até incentiva a mulher a continuar na relação! É o famoso: “ruim com ele, pior sem ele”. Entretanto, quando o homem é a vítima da agressão, ele esconde isso de forma muito mais eficaz. De forma geral, o homem agredido não demonstra tristeza ou mudança de comportamento. O tabu da vergonha o impede de qualquer exteriorização. O porquê pormenorizado disso será tratado no próximo texto.
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Culpa
Majoritariamente, a culpa sobrevém em casais com filhos menores. O agressor manipula a mulher para que permaneça na relação, fragilizando-a com a dificuldade em criar os filhos. Os argumentos utilizados pelo agressor são variados e vão desde: “Eu vou levar seus filhos comigo”, “Você não é capaz de criá-los sem mim”, ou até “Se você me deixar, eu vou matar todos eles”. Quando há filhos de uma relação autodestrutiva, essa causa é a que mais influencia as mulheres a não abandonarem os pais dos seus filhos.
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Merecimento
Assim como a Juliana do caso contado no primeiro texto dessa trilogia, muitas mulheres acham que são agredidas por merecimento: não cozinharam direito ou esqueceram de passar a roupa. Nessas situações, a mulher acredita fielmente que ela é a pólvora da violência. Ela aceita o papel de incentivadora e faz de tudo para evitar novas explosões do companheiro.
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Resistência
É aqui que surge a zona de conforto. Há mulheres que são resistentes ao que é estranho e desconhecido. Elas até podem ter alguma noção da abusividade em que vivem, mas não acham possível ou seguro que o contexto se altere. Não há qualquer crença de que a Justiça possa funcionar e tem receio de possíveis retaliações.
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Baixa Autoestima / Insegurança
Ah… A tão falada autoestima. Ela anda de mãos dadas com a violência doméstica. Autoestima nada mais é que a maneira como a gente se enxerga em relação a nós mesmos. O sentimento que nutrimos em relação a nós reforça os acontecimentos em nossa vida. Esse é um requisito indispensável antes de ter qualquer relacionamento. Se eu sou uma pessoa insegura e me sinto incapaz, atrairei perfis de homens que comprovarão isso.
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Defeito Tolerável
Esse último tópico é decorrente do condicionamento familiar. Quando somos criados num determinado contexto, aquilo se torna nosso conhecido. Qualquer alteração de padrão gera um estranhamento. Ou seja, por mais negativo que aquilo possa parecer aos olhos dos outros, é com o qual estou acostumada. Assim, a violência doméstica passa a ter o mesmo peso que qualquer outro defeito. Para essas mulheres, ter um parceiro que tem como defeito a violência é o mesmo que ter um companheiro que trabalha demais ou que é ausente na criação dos filhos.
Agora, falaremos sobre um assunto pouco falado: a agressão contra os homens.
Enquanto o homem costuma fazer mais uso da força física para se impor, a mulher utiliza mais da violência psicológica. As razões que fazem com que um homem permaneça numa relação autodestrutiva podem ser parecidas com as razões das mulheres. Mas há nuances diferentes. São algumas delas:
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Vergonha
Quando as mulheres são agredidas, em geral, a família dela tem conhecimento e até compreende o agressor (isso foge do senso comum e daria um outro texto, eu sei. Se quiserem um texto só sobre o assunto, deixem nos comentários!). Mas o oposto ocorre quando o agredido é um homem. A vergonha que o homem sente em ser humilhado ou agredido fisicamente é tão, mas tão grande, que dificilmente ele compartilha com outra pessoa. Nega inclusive para o melhor amigo. Isso tem como base toda a nossa cultura machista e patriarcal de que “homem não chora”.
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Conceito Familiar e Autoestima
A figura da mãe, ou quem a represente, é parte crucial no desenvolvimento emocional do filho. Sendo resultado de suas idealizações, a mãe (ou quem exerça seu papel) pode fazer com que o filho permaneça dependente e incapaz de se desenvolver por si só. Não sendo bem trabalhada, essa dinâmica familiar se perpetua pela vida adulta do homem, que passa a buscar em suas parceiras a sensação conhecida que ele tinha com a própria mãe: a de ser insuficiente.
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Dependência Emocional
A relação amor-ódio é tão bem vincada que o agredido não vê uma saída. A única saída que ele conhece é a de minimizar os danos. O que eu quero dizer é: em geral, desde que nascem, meninos são criados para não chorar, não sofrer e “ai” dele se ser ou pensar diferente, ouvirá sempre um “Vira Homem, menino!”. Em virtude disso, eles são ensinados que o mais seguro é não se expor e não falar no assunto. Com ninguém! Apesar de existirem, a agressão aos homens situa-se num campo que não deixa marcas visíveis: o campo emocional. E aí surge aquele “se eu não vejo, não existe”.
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Expectativa Alheia
Quando nascemos, nos são dados alguns papeis. Nossa cultura exige do homem sinais de sua virilidade e força física. Ah… O macho-alfa. Se o homem deixa de cumprir perfeitamente o papel social, é levado para escória da sociedade. Isso dificulta denúncias de agressões por parte dele. O medo de represálias por parte da própria família o leva a negar a própria condição. Afinal, ele se vê obrigado a corresponder às expectativas geradas pelos outros, o que gera um enorme peso.
Homens ou mulheres, denunciem: Disk 180
Ou se quiserem apenas conversar, Disk 141: Telefone do CVV, que vale não só para quem sofre violência doméstica, como pessoas que estão sofrendo com depressão, vontades suicidas, etc.
Procure ajuda, você pensa que está, mas não está sozinho(a).
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Semana que vem darei dicas práticas para te ajudar a sair dessa!
Texto anterior: Como saber se você está em um relacionamento abusivo?